A Síndrome da Hipermobilidade Articular (SHA) é o mesmo que Síndrome de Erlers-Danlos Tipo III (SED-III) e o mesmo que Síndrome de Erlers-Danlos Tipo Hipermobilidade (SED-TH), apenas passaram por mudanças históricas na denominação, que ainda se confundem na literatura, em função disso, poderá ser usual a denominação SHA/SED-TH ou apenas SED-TH.
A síndrome de hipermobilidade articular (JHS)/síndrome de Ehlers-Danlos tipo hipermobilidade (EDS-HT), excluindo-se outras doenças do tecido conjuntivo, na prática clínica, é uma doença do tecido conjuntivo muito frequente, a qual se manifesta com lesões músculo-esqueléticas e extra-esqueléticas, que se sobrepõe clinicamente por dor crônica/recorrente, instabilidade articular, luxações/subluxações articulares, fadiga crônica e alterações de pele, dentre outros, porém subdiagnosticada pela maioria dos clínicos e especialistas em dor, que resulta em intervenções limitadas a tratamentos sintomáticos e não-satisfatórios.
O diagnóstico raramente é feito, principalmente em função do desconhecimento por parte dos profissionais de saúde, que até consideram, a característica da hipermobilidade, erroneamente, como uma vantagem por facilitar movimentos corporais. São utilizados os critérios de Brighton para o diagnóstico da SED-TH, que ainda há discussão e dependente de estudos moleculares futuros, em função das dificuldades intrínsecas na avaliação, com gastos incalculáveis para os serviços de saúde e para os pacientes, em função do desconhecimento, que implicam em erros terapêuticos, atraso de tratamentos adequados, agravamentos com evoluções crônicas e incapacidades, que poderiam ser amenizados ou resolvidos, se precocemente compreendido.
A avaliação clínica é soberana para o diagnóstico da SED-TH, baseia-se nos sinais e sintomas e leva em conta os critérios de Villefranche, que classifica a SED em subtipos, valorizando-se também a história familiar, o exame físico e a exclusão de outras doenças do colágeno. É relevante a participação da equipe multiprofissional, que dentre eles, os médicos reumatologista, cardiologista e pediatra, geneticista, fisioterapeuta e outros, dependentemente, das comorbidades associadas, da faixa etária e das possíveis prevenções pelo diagnóstico precoce, assim como a gestão pela equipe aos pacientes e familiares.
Não existem exames laboratoriais ou de imagens para o tipo mais comum, a SED-TH e mesmo no subtipo mais grave, SED-Vascular, a clínica e a história da família ainda são soberanas.
O diagnóstico traz sofrimento para toda família e, em função desse fator, é relevante que a família e o paciente conheçam a grande variabilidade de características do espectro da SED e como lidar com elas com autosuficiência. Ex: a dor.
A causa desse defeito é desconhecida e ocorre em famílias, portanto, deve ser investigada nos pais, irmãos, primos, avós e outros membros da família. No entanto, o médico deverá descartar outras doenças do colágeno.
A dor está associada, entre outras, à própria hipermobilidade, a fraqueza muscular, à insuficiência funcional, uso de analgésico regular, fadiga e luxações.
Dores articulares recorrentes e crônicas são comuns e predominantemente nos membros, com predomínio nos, ombros, joelhos e pés, provavelmente por resultado de reumatismo dos tecidos moles, luxações e pelo processo de reparação retardada, possivelmente, por menor massa óssea.
É frequente a dor generalizada de origem muscular, muitas vezes denominada como fibromialgia e, pode estar associada a outras formas de dor, e parestesia nos membros de adultos.
Muitas pessoas diagnosticadas com fibromialgia, tem SED–TH, já que em ambos há sintomas muito parecidos com dores recorrentes, pontos dolorosos, presença de fadiga crônica, depressão e exames laboratoriais normais. Dessa forma, a fibromialgia seria parte da SED – TH.
A enxaqueca é considerada apresentação comum de dor de cabeça, sendo fatores predisponentes, a hipermobilidade na coluna cervical, a instabilidade na junção occipitoatlantoaxial (pode se apresentar como malformação de Chiari tipo I), a disfunção da articulação temporomandibular, a hipotensão intracraniana, que pode resultar de disautonomia e/ou de vazamento espontânea de fluido cerebroespinhal, possivelmente por aumento da fragilidade do meninges.
A dor na pelvis é mais um local comum de queixas, associada, dentre outras, a disfunção gastrointestinal, inchaço, refluxo, náuseas, diarreia, constipação, doença de Crohn, hérnia do hiato, disfunção evacuatória, prolapsos retal, genital e da bexiga. Há fatores que contribuem para dor visceral pélvica primária, como a endometriose, a instabilidade do anel pélvico e disfunção da articulação coccígea.
O tratamento da dor em SHA/ SED-HT é um desafio devido à falta de estudos baseados em evidências convincentes sobre a eficácia dos tratamentos. Destacam-se dentre as poucas evidências, a assistência fisioterapêutica, considerada a estratégia mais bem sucedida, com ênfase nos exercícios de fortalecimento e propriocepção, alongamento suave, com adaptações entre as opções disponíveis para a população em geral, com associações às terapias psicológicas. Uso de drogas é muitas vezes ineficaz e pode induzir efeitos colaterais, principalmente gastrointestinais. A abordagem clássica combina anti-inflamatório não esteroide e drogas/paracetamol e opioides.
A fadiga crônica é uma sensação cansaço extremo e contínuo, falta de disposição física, que denomina esses pacientes, erroneamente, como preguiçosos. É muito comum na SHA/SED-TH e influencia a eficácia do sono. A fraqueza muscular, dentre outros, contribui para a fadiga na SED, disfunção respiratória restritiva podem ser considerados fatores para predisposição à fadiga nesses pacientes.
É uma sensação de desfalecimento (desmaio), porque o retorno venoso para o coração se torna mais lento e menos oxigênio chega ao cérebro, em função do mau funcionamento do sistema nervoso autônomo e, acomete as diferentes faixas etárias, sendo mais frequente no sexo feminino.
É comum nesses pacientes a intolerância ortostática e a síndrome de taquicardia postural parece ser a apresentação mais comum de disautonomia nesses pacientes, que parece ser potencializada pelo uso excessivo de analgésicos e sua causa na SHA/SED-TH é discutida.
Não existe um padrão de tratamento para a doença de base e suas implicações, nem há um tratamento que possa ser aplicado em todos os pacientes, mas há como fazer a prevenção, a reabilitação e a gestão de um grande número das possíveis manifestações, assim como de parte daquelas já instaladas. É fundamental a participação dos pais, outros familiares e da equipe multiprofissional no processo de prevenção e/ou reabilitação funcional.
Não é fácil, mas é possível melhorar a vida dessas pessoas, moderando ou eliminando a dor, as possíveis limitações de funções da coluna vertebral, dos braços e das pernas, as possíveis deformidades e principalmente evitar que essas pessoas evoluam para a incapacidade ou até a deficiência física, cirurgias desnecessárias, proporcionando-lhe a inclusão social.
A Assistência Fisioterapêutica é fundamental, tanto para prevenção de possíveis agravos e/ou comorbidades, bem como para reabilitação funcional, que inclui, dentre outras, a reeducação postural adaptada, reeducação de hábitos de vida diária, como posições ideais para o sono, colchões e travesseiros adequados, determinadas atitudes na vida esportiva para proteção, treinamento de habilidades corporais, equilíbrio e marcha, estabilidade do tronco, reeducação muscular e alongamentos adaptados, gestão para prática de dança e atividades físicas/esportivas de baixo impacto, como bicicleta, natação, caminhada, podendo evoluir gradativamente para outras, considerando-se as peculiaridades do subtipo.
As intervenções fisioterapêuticas apresentam bom resultados para várias complicações musculoesqueléticas de SED-TH, porém são pacientes com maior risco para lesões em movimentos em intervenções simples.
A atividade física ajuda a melhorar o condicionamento cardiovascular, desenvolvimento muscular, força e controle, coordenação e estabilidade, propriocepção, equilíbrio, os quais proporcionam confiança e bem-estar, porém sob a gestão de profissionais conhecedores das possíveis manifestações diárias dos sinais e sintomas.
Não existem recomendações específicas sobre as atividades físicas preferidas, mas há considerações, tais como, as principais formas de apresentação clínica da síndrome, frouxidão articular, muscular e/ou de pele, dor em articulações, luxações, tendinites, má postura do quadril, seqüelas psicossociais como ansiedade, depressão, obesidade, isolamento social e descondicionamento físico.
A inclusão das atividades físicas e esportivas devem ser gradativas e flexíveis em seus protocolos, uma vez que as queixas são variáveis em tempo, locais do corpo e intensidade.
Os profissionais fisioterapeutas resolvem a instabilidade articular por meio de exercícios de treinamento específicos e reeducação postural também pelo equilíbrio das cadeias musculares, de forma direcionada e progressiva, evitando-se lesões e impedindo-se o descondicionamento físico, que muitas vezes é resultado de dor e sendo dito, erroneamente por alguns profissionais, para interromper em vez de se movimentar.
Utiliza-se da assistência fisioterapêutica motora e respiratória, incluindo os membros superiores, inferiores e a coluna vertebral, mesmo que esteja com dor, porém com limites. Na sequência deverão ser iniciadas as atividades com o profissional de educação física, que também deve conhecer e fazer a gestão do problema e suas instabilidades e riscos de lesões muito maiores que para as outras pessoas.
É fundamental que a comunicação seja clara para a educação do paciente e familiares e que os profissionais sejam persistentes, uma vez que os pacientes estão desacreditados dos profissionais por terem ignorado suas queixas ao longo dos anos.
Esses pacientes, preferencialmente, terão que estar sendo atendidos em ambientes que permitam concentração, pois o treinamento postural será também a nível cortical. Evitar música e “bate papo” para que ocorra a adaptação neural também para a dor, onde aprendem a distinção entre a dor de treinamento (”dor do bem”), que é suportável e logo passará e aquela dor que aumentará os sintomas (“dor do mal”).
É relevante a compreensão do limite da dor pelos profissionais envolvidos, assim como pelo paciente, utilizando-se de técnicas específicas de gestão da dor. As atividades físicas geridas tem bons resultados em programas com três meses de condicionamento.
São comuns crianças com pés planos, essas deverão usar calçados que proporcionem a sustentação da face interna dos pés, ou ainda utilizarem de palmilhas para a correta estabilidade dos pés.
A assistência fisioterapêutica reeduca funcionalmente e corticalmente a instabilidade articular por exercícios de treinamento específicos, direcionados, e progressivos, que protegem das lesões esperadas e do descondicionamento físico, que muitas vezes é resultado de dor.
E não esquecer que os hipermóveis tem um limite diferente para o desempenho e aptidão física, e esse limite é claramente conhecido como sendo genético, a pessoa nasce assim.
Sugere-se inicialmente consultar o médico reumatologista e o geneticista para o diagnóstico da doença e o Fisioterapeuta para o diagnóstico da funcionalidade do aparelho locomotor, sendo esses experientes no problema, porém, posteriormente, para outros especialistas, conforme já mencionado, sendo que estes contribuirão para a gestão do problema para a vida profissional, esportiva e pessoal.
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